sábado, 12 de dezembro de 2009

Retalhos





A vida é uma longa despedida
Só não nos damos conta de imediato.
Cada ano vivido vai deixando pro futuro
Um bocadinho de melancolia.
Sofro desse mal
E acho que não tenho cura.
Desde a infância
Sempre soube disso:
Minha alma é feita de retalhos
Disformes de melancolia

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Cueca Preta


Meus dedos encontram seu dorso
Retesado.
Ar rarefeito
Respiramos a nós mesmos.
Desço pela amplitude de suas costas, escorregam minhas mãos
Nossa pele se acaricia.
Encontros.
Lentamente chego a uma superfície,
não é sua pele, mas me desperta
os sentidos.
Olho, constato: vestia cueca preta.
Simples, sem afetação
Mas que escureceu
os meus sentidos

sábado, 14 de novembro de 2009

Mudo




...o calor da temperatura contrasta com a frieza de seu telefone mudo. Calado. Apenas a espreitar minha procura de notícias.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Chás e Churrascos

Tarde
Dois mundos no mundo
Vários olhares
Oblíqua visão
Entre porcelanas
E chás
E bolos
E doces
Eles mantêm
Com delicadezas e humor picante
Momentos de alegria
Da existência sem o controle social externo.
Não muito distante dali
Numa chácara qualquer
À beira da churrasqueira
Latas de cerveja
Copos simples
Muito samba
Violão
Batuque
Elas se mantêm
Com gestos tenazes
Entonações firmes
Momentos de alegria
Onde ser mulher basta.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Intensamente fugaz

Eu te amo
só por um dia.
Só por este período
Talvez seja possível que eu
Desprenda de mim.

Fui acostumado a fugir de tudo
aquilo que expõe
Meus sentimentos.

Só posso ser seu
Neste momento.
Neste momento eu te amo
E juro que sou verdadeiro
Mas só neste momento.
Não me pergunte por amanhã.
Hoje posso, sou seu.
Depois, não sei.

*Poema dedicado a um grande amigo

Palavras roubadas


"Morre lentamente, quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos."
Neruda

Barcelona, 18 de outubro de 2002


Francisco,

Estou começando esta carta e nem sei como ela terminará. Estou com o propósito de mostrar meus pensamentos, ou melhor, pensamentos que me veem à cabeça quando penso em você. Espero que eu consiga ser o suficientemente claro, pois tenho o hábito de fugir de meus sentimentos.

Desde a última vez que nos vimos fiquei inquieto, pensando em você, querendo ficar perto, mas ao mesmo tempo em dúvida, confuso com toda a situação circundante. Bem, não sei o porquê mais te quero muito bem, desde a primeira vez que te vi, embora antes pensasse em você apenas como um amigo. Mas a vida é assim, não avisa nada quando quer que vejamos o outro.
Há muito tempo ouvia dizer que era comum a gente se apaixonar por amigos, nunca dei crédito, preferia pensar que era coisa de pessoa fraca. Me enganei.

A convivência com você, seus trejeitos, humor e tristeza me encantam. Lembra quando falei com você por telefone? Achei que tivesse dito tudo, mas hoje penso que preciso reafirmar que gosto de você, quero ficar perto, cuidar de você, sei lá o que for, entende?
Por outro lado, parece louca essa situação: que o namorado de meu melhor amigo seja a pessoa que eu mais queria perto de mim agora.

Quero deixar claro que ainda que não considere essa possibilidade, você é importante para mim e ainda assim quero continuar com você por perto, nem que seja como amigo. Você é especial e tem um lugar no meu coração.

João.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Os moços e a tarde


As tardes são para os moços
E suas solidões.
As tardes estimulam a imaginação
Dos homens.
As tardes intumescem seus sexos
Nas tardes desaparecem os pudores
E surge a picardia, a canhastreza,
Mas, às vezes,
Há um surto de amor que entontece
A todos os rapazes.

Extravagância

Acordei disposto
A cometer uma extravagância
Meu único compromisso
Ir à oficina mecânica.
O banho demorado
A roupa caprichada.
Na engraxada e fétida garagem,
entre mecânicos e ferrugens,
Envolviam meus sentidos
Dois olores insuspeitos:
Um dos sexos dos mecânicos
E outro do meu perfume francês!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Eu também diria isto


"Viver é muito perigoso ... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar."
Grande Sertão: Veredas por Guimarães Rosa

Amor


Nosso amor não é mais
Nem menos
Nem melhor
Nem pior
Que qualquer outro amor
Homem que ama homem
Mulher que ama mulher
Homem que ama mulher
Mulher que ama homem
Homem que ama homem que ama mulher
Mulher que ama homem que ama mulher
Amores
Sem preocupação
Sem explicação
Apenas amor.

Forasteiro


Jeito brusco
Mãos fortes
Calejadas
Unhas por cortar

Olhar firme
Nos meus olhos
Corpo feito
De pedra
De terra lavada

Dentes quase infantis
Roupa discreta
Cheiro de terra e mato verde

Peito aberto
Ao mundo
Ao desconhecido
Busca incessante.

Docilidade
De menino
Safadeza de homem

domingo, 8 de novembro de 2009

Pessoa[s]


Quer pouco, terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

Fernando Pessoa

Verde e Amarelo


Semana da Pátria
O mancebo passa mal
Amarelo
Desmaia no fim da fila
Olhar quase infantil
Membro vigoroso faz volume na calça de brim verde

Idéia bruta

Não posso abraçar em público
Não posso fazer carícias
Meus olhares são furtivos
Os toques são rápidos
e breves.


Não posso beijar em público
Nem demonstrar carinho
Seus lábios e os meus estão impedidos
De um encontro público.


Não posso falar ao pé de seu ouvido
Ficar demoradamente entre a fala e o toque de minha boca e nariz
Na região limítrofe entre a sua face e a nuca.
Em público? Não.


Não posso amar você abertamente,
ainda que a lei não esteja escrita,
Nos lugares públicos sou constantemente
Lembrado de que ao nosso amor,
Em público, não pode!

Os sargentos

Escrevi este texto o ano passado, comovido e indignado com a história dos sargentos homossexuais punidos pelo exército.


Comoção nacional, mas parece ser apenas minha
Eles foram presos
Em nome do amor!
A liberdade foi corrompida.
Denunciaram-se a si mesmos.
O amor é indômito

O amor foi mais forte
Mais nobre
Que a convenção social.

Aquela prisão dói em mim
Minha prisão tem sido menos visível
Tenho, dia a dia, me acovardado
Para minha família
Para o meu trabalho
Nos lugares públicos com meu namorado
Tenho em mim um sentimento ignóbil
Que não se parece comigo
Mas é parte de mim
Me confronta
Me incomoda
Não me deixa feliz.

Epígrafe

A palavra nasce-me
fere-me
mata-me
ressuscita-me

Murilo Mendes

No princípio

Escritos me rondam a cabeça, sempre. Às vezes, eles vêm à tona ... alegres, tristes, desbocados, humanos.